Coletivo de Articulação em Defesa das Cotas

Carta em defesa do sistema de cotas para negr@s na UnB.



Brasília, 30 de julho de 2009.



Em resposta à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pelo Partido Democratas contra o Sistema de Cotas Para Negr@s na Universidade de Brasília - UnB, nós, sociedade civil organizada, viemos nos manifestar sobre a importância das cotas na universidade para o projeto de sociedade que queremos enquanto população brasileira.

Não se pode pensar em igualdade com diferenças sociais de posição, tratamento, vida e morte de determinados segmentos populacionais, principalmente quando essas diferenças são pautadas pela aparência de pessoas desrespeitadas em sua origem cultural e suas características, tal qual ocorre hoje no país. Assim, medidas corretivas como as ações afirmativas são passos iniciais de uma estratégia maior de superação da desigualdade racial secular no Brasil.

Ao longo destes cinco anos de política de cotas na UnB, existe uma trajetória marcante dos corpos negros, intelecto e espírito, que se construiu também dentro da academia. A presença de pessoas negras dentro da Universidade de Brasília tem permitido à comunidade universitária tomar consciência de sua própria condição excludente, sobretudo em relação às pessoas negras. Ao mesmo tempo, de fato está sendo promovida a inclusão de um segmento da população que historicamente têm seu acesso negado ao sistema educacional. Esta tomada de consciência sobre a exclusão, bem como a sua superação, é o que desejamos para a sociedade brasileira.

Não existe uma experiência de políticas de ações afirmativas que não tenha, até hoje, desde seu primeiro estabelecimento na Universidade Estadual da Bahia em 2002, alcançado seus objetivos iniciais: ampliar o acesso da população negra ao ambiente universitário para construção de uma sociedade diversa inclusive epistemologicamente.

Tod@s @s cotistas são aprovad@s no vestibular, não há medidas facilitadoras, há apenas concorrência específica: negr@s concorrem com negr@s dentro daquele percentual de vagas, percentual específico que age como um corretor de desigualdades, as provas e os critérios são iguais aos do sistema universal. E mesmo assim, além do mérito da prova, pessoas negras, assim como outras pessoas de grupos preteridos, possuem o mérito de uma trajetória de superação.

O desempenho d@s estudantes cotistas é avaliado como equivalente ao de estudantes não-cotistas e, uma vez na universidade, @s negr@s passam a ser protagonistas da sua própria produção científica e a se conscientizar do quão a sociedade brasileira ainda é desigual para com vários grupos e para com o grupo negro de forma contundente. Assim cresce, também, o enfrentamento dessas desigualdades.

A consciência coletiva torna-se então a tônica da produção intelectual d@s negr@s dentro e fora da academia, o que gera impacto direto nas dinâmicas sociais. Esta contribuição para o “fazer científico” atinge não só @ estudante negr@, mas toda a comunidade universitária, uma vez que esta passa a perceber o tema das relações étnico-raciais como estruturante para a sociedade brasileira, o que abre precedentes para uma série de reflexões humanitárias.

Esperamos que Estado e sociedade compreendam que políticas de inclusão são um chamado para a construção de uma vida coletiva verdadeiramente plural, e nesse processo a participação de absolutamente tod@s @s seus atores e atrizes é condição sine qua non. Por isso é que nós, estudantes negr@s, além de tod@s aquel@s que percebem as melhorias dentro da Universidade devido ao Sistema de Cotas, reiteramos a necessidade da manutenção e do fortalecimento das políticas de ação afirmativa como medidas que já possibilitam à nossa sociedade caminhar rumo a um destino mais equânime e verdadeiramente democrático para tod@s. Assim, anunciamos que iremos nos apresentar junto ao processo judicial da ADPF, perante o Supremo Tribunal Federal.



quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Cotas raciais e reservas de vagas em universidades federais serão objeto de audiência pública em março de 2010



O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski convocou para o período de 3 a 5 de março do próximo ano, das 9 às 12 horas, audiência pública para debater a introdução de critérios raciais e de sistema de reserva de vagas para alunos egressos do ensino público como formas de acesso a universidades federais. Os interessados em participar dos debates devem se inscrever entre os dias 1º a 30 de outubro, através de mensagem eletrônica (acaoafirmativa@ stf.jus.br).

O ministro deseja tomar depoimentos de pessoas com experiência e autoridade em matéria de políticas de ação afirmativa no ensino superior, como os dois exemplos questionados, antes que a Suprema Corte decida o mérito das duas ações.

Lewandowski é relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e do Recurso Extraordinário (RE) 597285, em que esses sistemas são questionados. A ADPF 186 questiona o sistema de cotas raciais adotado pela Universidade de Brasília (UnB) para preenchimento de 20% das vagas abertas nos vestibulares, enquanto no RE se debate o sistema de reserva de vagas destinadas a estudantes do ensino público e a estudantes negros, também egressos desse sistema de ensino, adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).



Audiência

Os interessados em debater o tema da audiência deverão requerer sua participação no período de 1º a 30 de outubro próximo pelo endereço eletrônico acaoafirmativa@stf.jus.br, devendo consignar os pontos que pretendem defender e indicar o nome de seu representante.



A relação dos inscritos habilitados a participar da audiência estará disponível no portal eletrônico do STF (www.stf.jus.br) a partir de 13 de novembro de 2009. Quaisquer documentos referentes à audiência poderão ser encaminhados por via eletrônica para o endereço acaoafirmativa@stf.jus.br.



A audiência será transmitida pela TV Justiça (canal 53, em UHC; 116, na Sky e 10 na NET) e pela Rádio Justiça (104.1, FM), assim como pelas demais emissoras que assim o requererem.

Entre os convidados estão todos os ministros do STF; os presidentes do Congresso Nacional e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); o procurador-geral da República e o advogado-geral da União; o Ministério da Educação; as Secretarias Especiais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e dos Direitos Humanos (SEDH) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).



ADPF

Depois de colher manifestações da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) contra a concessão de liminar e pela constitucionalidade das cotas raciais adotadas pela UnB, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, negou liminar, em 31 de julho passado, ao partido Democratas, autor da ADPF 186.

Na ação, o DEM contesta os seguintes atos: 1) Ata da Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE), realizada no dia 6 de junho de 2003; 2) Resolução nº 38, de 18 de junho de 2003, do CEPE; 3) Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial da Universidade de Brasília – UnB; e 4v) dispositivos do Edital nº 2, de 20 de abril de 2009, do 2º Vestibular de 2009, do Cespe.



O partido alega violação dos seguintes preceitos fundamentais inscritos na Constituição Federal (CF) de 1988: os princípios republicano (artigo 1º, caput) e da dignidade da pessoa humana (inciso III); dispositivo constitucional que veda o preconceito de cor e a discriminação (artigo 3º, inciso IV); repúdio ao racismo (artigo 4º, inciso VIII); igualdade (artigo 5º, incisos I), legalidade (inciso II), direito à informação dos órgãos públicos (XXXIII), combate ao racismo (XLII) e devido processo legal (LIV).



Além disso, seriam feridos os princípios da legalidade, da impessoalidade, da razoabilidade, da publicidade e da moralidade, corolários do princípio republicano (artigo 37, caput); direito universal à educação (artigo 205); igualdade nas condições de acesso ao ensino (artigo 206, caput e inciso I); autonomia universitária (artigo 207, caput); princípio meritocrático – acesso ao ensino segundo a capacidade de cada um (artigo 208, inciso V).



RE

Por seu turno, o RE 597285 foi proposto por Giovane Pasqualito Fialho, não aprovado em exame vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), embora tivesse alcançado pontuação maior do que alguns candidatos admitidos no mesmo curso pelo sistema de reserva de vagas destinadas a estudantes egressos do ensino público. No último dia 18, o Plenário virtual do STF reconheceu repercussão geral a essa matéria. Isto significa que sua importância ultrapassa o interesse individual e alcança interesse coletivo.

Também neste processo, a Procuradoria Geral da República se pronunciou pela constitucionalidade do sistema de reserva de vagas adotado pela UFRGS e, portanto, pelo não provimento do recurso.



Relevância

No despacho de convocação da audiência, o ministro Ricardo Lewandowski observa que “a questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não, o uso de critérios raciais nos programas de admissão das universidades brasileiras” .

Além disso, segundo o ministro, “evidencia-se a repercussão social, porquanto a solução da controvérsia em análise poderá ensejar relevante impacto sobre políticas públicas que objetivam, por meio de ações afirmativas, a redução de desigualdades para o acesso ao ensino superior”.

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